Nascidos na Democracia

Os irmãos diziam-lhe que ela trouxe a revolução. Não a trouxe, mas a revolução ‘faz parte’ do ADN de Isabel Azevedo, não tivesse ela nascido no dia 25 de Abril de 1974. Isabel é uma das pessoas que respondeu ao apelo da autarquia, que andou à procura dos munícipes nascidos no dia da Revolução dos Cravos, ou seja, nascidos em Democracia, e encontrou três – Isabel, Gonçalo e Vítor.

É na freguesia de Folgosa que Isabel Azevedo vive e trabalha. É a mais nova de seis irmãos e ficou com a casa dos pais, onde cresceu e criou os filhos e é auxiliar na Escola EB1 / JI de Santa Cristina.

Nasceu no Hospital de S. João, eram 18h00. E quando nasceu, a mãe já sabia que havia um menino que tinha vindo ao mundo. Talvez fosse Gonçalo Sobral, que já estava destinado a nascer no primeiro dia da democracia, uma vez que chegou um mês antes do previsto.

Mudou-se para a Maia com a família, em 1980. Aqui estudou até rumar à Universidade do Minho, em Braga, para tirar o curso de Gestão. Embora a vertente profissional já o tenha levado até muitas outras cidades, mantém o seu domicílio fiscal no Município e contam-se pelos dedos os fins de semana em que não esteve nas Terras do Lidador. 

Foi em 2003, quando casou, que Vítor Cerqueira escolheu a Maia para viver, “uma cidade que ainda hoje tem muito para dar e mostrar”. Nasceu em Lourenço Marques, Moçambique, “uma cidade lindíssima, única, especial e com um clima e uma vivacidade fora do normal para a época. Era uma das cidades do continente africano que dava aos portugueses uma sensação de liberdade e vida que em Portugal não existia”. 

Esteve em África até aos três anos. Vinda do Ultramar, a família rumou a Vila Verde, Braga, terra do pai, onde viveu até se mudar para as Caxinas, Vila do Conde, terra natal da mãe.

Liberdades e garantias

Os 50 anos da revolução dos Cravos despertaram algum interesse nos filhos de Isabel, principalmente no mais velho, com 27 anos. Até porque, hoje em dia, “o tema está mais presente nas conversas de todos”. “O meu filho mais velho, que é economista, é muito interessado em política e falamos desse assunto. Só que a minha memória do que se passou está muito relacionada com aquilo que ouvi e que nós aprendemos depois na escola”, refere.

“A minha mãe contava como era, que não podiam fazer o que fazemos hoje, que não tinham liberdade e hoje temos tudo isso, podemos tudo e isso para mim é fundamental”. Isabel Azevedo acredita que hoje faltam “garantias”. “Há muito mais liberdade, mas os meus filhos não têm a garantia que eu tinha, há 25 anos, de ter um futuro aqui, em Portugal”. “O mundo está a passar por um momento difícil”, acrescenta.

Apesar de nascida na democracia, Isabel Azevedo conta que a mãe ainda lhe impunha limites, “muitos limites”. Por exemplo, “não podia sair à noite”. “A minha mãe já me teve perto dos 40, a educação dela era outra, a dos meus irmãos seguiu a mesma linha e eu era um bocado o extremo, eu exigia muito sair e os meus pais não deixavam”. Isso levou-a a casar com 21 anos “para ter um bocado de liberdade”.

Gonçalo Sobral sempre teve um interesse especial pelo 25 de Abril, que mantém até hoje. Isso leva-o a colecionar tudo o que encontra que seja relacionado com a data.

Reconhece que a democracia e a liberdade são duas vitórias, “algo importante que o 25 de Abril trouxe”. Contudo, “o regime democrático não é só coisas boas, mas se calhar não há melhor”. “Pode-se dizer que é o melhor dos regimes conhecidos, mas não é perfeito. E hoje custa muito entender um país sem liberdade, mas, infelizmente, isso ainda acontece”, sublinha.

Apesar dos defeitos, Gonçalo não consegue conceber uma Europa desenvolvida sem as conquistas de abril. “Fazem todo o sentido”.

Apesar de ainda ter morada na Maia, cidade de que gosta “muito”, uma situação de desemprego levou-o até Lyon, França, em novembro de 2023. É técnico de manutenção e de máquinas de costura industriais. Mas sempre que pode tira uns dias para “vir a casa”, confessa Vítor Cerqueira.

Pelo facto de ter nascido no dia 25 de Abril, Vítor Cerqueira considera que carrega consigo “as transformações” de uma democracia com a mesma idade, “mas que cedo se viu cheia de vícios e em situações que em nada enobrece a data e os acontecimentos passados”. “Sou filho da liberdade e logo um revolucionário, mas acredito que o facto de este dia ter existido e ter acontecido mostra a resiliência do povo português”.

50 anos depois, Vítor lamenta que, por exemplo, “o analfabetismo nunca tenha acabado”. O 25 de Abril de 1974 “mudou para poucos e nada para muitos”.

Fotografia: Mário Santos / CM Maia

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