“Guardo a tranquilidade da minha rua”
Opinião de JORGE PRENDAS
Habitualmente a um criativo – seja de que área for: músico, escritor, designer ou cineasta, só como exemplos – costumamos atribuir as suas opções, a impulsos emocionais. Achamos que as suas vidas são ditadas pelo coração e não pela razão. Eu, ou por ser excepção a uma regra que provavelmente nem sequer existe ou por qualquer outro motivo, tenho tomado decisões em função do racional, do exercício mental, do pesar sempre os prós e contras. E é aí que a Maia entra e sai da minha vida.
Nasci no Porto, na freguesia da Sé e vivi três décadas em Paranhos. Quando procurei uma casa, o racional disparou: um olho posto nas economias, outro no mapa; noutro papel coloquei os locais onde trabalhava, a quanto tempo distavam para todas as hipóteses, as infra-estruturas rodoviárias que serviam os diversos locais. Guiado pelo lápis e sobretudo pela capacidade de racionalizar os problemas, concluí que a Maia seria a melhor opção. E aí cheguei à casa que habitei entre 2001 e 2014, na freguesia de Vermoim.
Foram anos muito cheios: foi nessa casa que os meus filhos viveram os seus primeiros anos, foi aí que fui criando uma família. Entretanto a vida profissional foi mudando e novos desafios foram-me empurrando para a cidade onde nasci. O regresso ao Porto, mais uma vez ditado pelo exercício racional, foi inevitável.
A cidade
Se guardo boas memórias? Sim, é claro que sim. Guardo a tranquilidade da minha rua, a padaria onde ia, a simpatia dos vizinhos – daqueles que o eram, naturalmente -, das caminhadas até ao centro, dos almoços em alguns restaurantes, que tinha como predilectos.
Guardo também memórias de músico: na Maia, no Fórum, gravei pela primeira vez um piano para o disco Mappa do Coração (1997) das Vozes da Rádio. Com este grupo cantei várias vezes na Maia, em concertos memoráveis, como o realizado em 2009 com o Conjunto António Mafra e que deu origem a um dvd e cd. Com os Pequenos Cantores da Maia, colaborámos em dois discos e algumas apresentações públicas. Foi também na Maia, mesmo em frente à Câmara, que as Vozes durante alguns anos tiveram um escritório e onde chegaram a gravar. Em minha casa, em Vermoim, compus dezenas de peças, como Cartoonia para orquestra, estreada no Coliseu do Porto em 2011, ou a Cantata de Natal (2013), apresentada pela primeira vez na Igreja da Lapa.
Como músico/formador do Serviço Educativo da Casa da Música foi no bairro do Sobreiro, que desenvolvi o meu primeiro projecto comunitário, o Cor da Voz, que me levou semanalmente ao centro comunitário durante vários anos, e onde tive o prazer de conhecer e conviver com gente fantástica. E, enquanto estudante de música, não me esquecerei que foi na Maia que, há muitos anos, vi o Mário Laginha e o Pedro Burmester a tocarem juntos, pela primeira vez.
Apesar de até hoje só ter vivido de forma permanente em duas cidades, tenho passado em dezenas, um pouco por todo o mundo, da Ásia à América do Sul. Também aqui tento, de forma racional, tirar o melhor que cada uma tem para me dar: se Londres não me dá o clima, dá-me a enorme actividade cultural, se São Paulo não me dá a segurança, dá-me a afectividade, se Tóquio não me dá o calor latino, dá-me o respeito pelo outro. Na Maia ou no Porto, à escala destas cidades, podemos ter um pouco disto tudo. É só procurar e descobrir.